quinta-feira, 2 de julho de 2015

O CHEIRO DOS (NOS) LIVROS

 [Junho/2015] http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=907

Desde os primeiros lançamentos de textos e livros digitais assistimos a manifestações de especialistas e leitores acerca das transformações sofridas pelo livro na forma como o conhecemos. Enquanto algumas pessoas discorrem sobre a possibilidade (ou não) do livro impresso desaparecer, com relatos apocalípticos sobre o seu fim, enxergamos o aumento de lançamentos de títulos nos dois formatos, contribuindo com a ideia de existência pacífica entre textos que podem ser lidos sobre papel e/ou telas. Predicados sobre uma ou outra forma de leitura ainda populam as discussões, com cada parte defendendo seu ponto de vista, apontando benefícios e limitações. Uma das características dos livros físicos que não tem contrapartida no digital é a ausência de cheiros.

Amantes de livros evocam com frequência que, apesar das facilidades dos livros digitais (pesquisar, compartilhar trechos, marcar, destacar, fazer anotações, consultar dicionários etc.), eles não possuem duas características essenciais: o aroma e o toque. Reforçando esta ideia, Bilton (2012) pontua que a memória olfativa provocada por livros impressos jamais poderá ser proporcionada por um livro digital. O peso e a textura do papel ainda não encontraram alternativas, porém com os cheiros a situação é diferente, com esta ausência em vias de ser superada.

Leitores vorazes discorrem que um livro digital jamais poderá proporcionar o prazer do aroma do livro, encontrado na combinação papel, tinta e cola. Zickuhr (2012) relata o lançamento de fragrâncias para os amantes do livro, nas variações “Cheiro de livro novo” e “Cheiro de mofo clássico”, da Smell of Books; ou o “In the Library”, perfume descrito como uma mistura entre romance inglês, encadernação de couro russo, pano desgastado e um toque de madeira polonesa, criado pela CB (CHRISTOPHER BROSIUS LIMITED, 2015). Além destes, existem outros produtos que prometem trazer o cheiro dos livros (e de bibliotecas), em perfumes ou velas, como as comercializadas pela Frostbeard, nas fragrâncias “Livros velhos”, “Livraria”, “Estoque de livros” ou “Biblioteca Oxford” (KOWALCZYK, 2014). Todas estas opções são, entretanto, perfumes, velas ou aerossóis que devem ser aplicados ao ambiente, ou ainda sobre os dispositivos de leitura (e-readers ou tablets), apenas simulando os aromas.

A novidade é uma tecnologia que permite a transmissão de cheiros que podem ser incluídos em mensagens de textos, livros digitais, músicas ou roupas, por meio de aplicativo e equipamento,. A Vapor Communications, uma empresa baseada em Cambridge, lançou o aplicativo oNotes. Esta plataforma permite incluir aromas e distribui-los em produtos. Resultado de uma pesquisa liderada por David Edwards, professor da Harvard University, o produto promete revolucionar a experiência da leitura, ao agregar informações de cheiros aos textos (CASTELLANOS, 2015).

A tecnologia consiste em um aplicativo (oSnap) instalado em smartphones (compatível somente com o sistema operacional IOS por enquanto) e um equipamento receptor (oPhone). Este aplicativo possui uma biblioteca de cheiros, com opções como manteiga, coco, pão, vinho tinto, flores, frutas etc. Os cheiros são vinculados a imagens (inclusive no Instagram) e/ou textos e encaminhados por mensagens a um destinatário que possua o transmissor de aromas. Este, conectado por Bluetooth com o smartphone, recebe e dissipa os cheiros que foram encaminhados.

O protótipo foi lançado em junho de 2014, no Museu de História Natural, em Nova York, ao receber uma mensagem “perfumada” encaminhada de Paris (NELSON, 2014). Um ano após a primeira transmissão, o lançamento de novos produtos continua. O livro digital “Cachinhos Dourados e os três ursos: versão fedorenta” (Goldlocks and the three bears: the smelly version) foi lançada em parceria com a Melcher Media (a mesma empresa que lançou o livro digital expandido Our choice, de Al Gore) e, por meio de aromas, contribui com o aprendizado e escolhas nutritivas para crianças ao associar cheiros agradáveis a alimentos saudáveis e odores ruins a alimentos não nutritivos (CASTELLANOS, 2015). O livro pode ser consultado no Museum of the Moving Image em Nova York, que possui um dissipador de aromas.

A primeira oSong (música olfativa) foi criada pelo compositor húngaro-canadense Dániel Péter Biró, e pode ser conhecida no Le Laboratoire Cambridge, na França (MOON, 2015). O equipamento que dissipa os aromas não está em comercialização até o momento, com dispositivos acessíveis somente nas instituições com o oBook (livro olfativo) e a oSong, porém acredita-se que deve estar disponível no mercado nos próximos meses.

Com o aperfeiçoamento tecnológico, acredita-se que, em breve, os dispositivos de leitura esmartphones poderão contar com dissipadores de aromas, ampliando as possibilidades de aplicação. Pode-se assim, incluir cheiros em livros, com os aromas sendo emitidos na medida em que o leitor avança na leitura, de forma contextualizada.

Evidentemente poder vincular cheiros como mais um elemento presente nos livros digitais supera a concepção do objeto livro, ao agregar informações olfativas ao conteúdo. Como recurso educacional, pode proporcionar avanços principalmente em áreas da biologia, saúde e gastronomia, descrevendo e exalando cheiros e odores característicos de plantas, animais, processos químicos etc. Corrobora com as possibilidades de aplicação de livros digitais expandidos que, além de poderem contar com aplicações multimídia e de interação, poderão incluir cheiros em seus conteúdos, estimulando a leitura e o aprendizado.

Da mesma forma que cheiros podem ser incluídos ao conteúdo em textos, imagens ou músicas, nada impede que os dispositivos também exalem o perfume dos livros, atribuindo mais esta semelhança com a forma impressa. A julgar pelos aromas existentes atualmente, poderão ser atribuídos cheiros diversos aos livros digitais ou de acordo com o desejo do leitor. Desta forma, pode-se vincular um cheiro de livro novo a lançamentos e o perfume de papel antigo para obras clássicas ou em domínio público.

Ao aplicarmos a inclusão do cheiro de livros nos livros digitais será definitivamente rompida a barreira olfativa que afasta os leitores dos dispositivos de leitura, com a vantagem do equipamento dissipar somente os cheiros, sem a presença de ácaros ou mofo. Os bibliotecários (e leitores) alérgicos agradecem!

Referências

BILTON, Nick. An ebook fan, missing the smell of paper and glue. The New York Times. New York, 18 jun. 2012. Bits. Disponível em: . Acesso em: 07 jun. 2015.

CASTELLANOS, Sara. The startup that lets you add scents to texts now offers scents with e-books. Boston Business Journal. Boston, 16 abr. 2015. Startups & Venture Capital. Disponível em: . Acesso em: 07 jun. 2015.

CHRISTOPHER BROSIUS LIMITED. In the library. Disponível em: . Acesso em: 07 jun. 2015.

KOWALCZYK, Piotr. Book smell is back: 25 paper-scented perfumes and candles. 2014. Disponível em: . Acesso em: 07 jun. 2015.

MOON, Mariella. Smell-o-phone creator attaches scents to eBooks and songs. 17 abr.2015. Disponível em: Acesso em: 07 jun. 2015.

NELSON, Katie. This app can send scented text messages. 2014. Disponível em: . Acesso em: 07 jun. 2015.

ONOTES. The oPhone. Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2015.

SMELL OF BOOKS. Smell of books. 2015. Disponível em: . Acesso em: 07 jun. 2015.

ZICKUHR, Kathryn. The smell of books. Pew Internet. Sl, p. 1-1. 28 set. 2012. Disponível em: . Acesso em: 07 jun. 2015.


 Sobre Liliana Giusti Serra
Bibliotecária com especialização em Gerência de Sistemas e Serviços de Informação pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Formação em ECM (Enterprise Content Management). Profissional de Informação da Prima (SophiA Biblioteca). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação – ECA/USP.

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