quinta-feira, 2 de julho de 2015

DO FORMATO MARC PARA UMA NOVA FÓRMULA DE FORMATO BIBLIOGRÁFICO

[Janeiro/2015]

A Catalogação Legível por Máquina (MARC) foi um formato concebido na década de 1960, com o primeiro piloto apresentado em 1966 por Henriette Avram. Passados mais de 45 anos temos um novo cenário social e tecnológico. Considerando-se apenas os avanços ocorridos na representação de dados por computador, o mundo de hoje está distante do contexto cultural de concepção do MARC.

Saliente-se que a proposta apresentada do formato MARC estava distante, em três anos, do surgimento do primeiro artigo tratando do conceito de modelo de banco de dado relacional, publicado por Edgar F. Codd; a oito anos do lançamento da linguagem SQL (Structured Query Language), por  Donald Chamberlin e Raymond Boyce, em 1974; e a dez anos da proposta do modelo de Entidade-Relacionamento, por Peter Chen, em 1976.

O MARC apesar de significar um salto evolutivo nas atividades e sistemas bibliotecários, não pode deixar de ser visto pelo prisma das mudanças tecnológicas ocorridas ao longo das últimas décadas. Assim, sob a ótica do mundo atual, percebe-se que vivemos em uma época totalmente diferente daquela na qual o formato se originou. Isso se reflete na dificuldade sobre como pensar o tratamento de dados, em um banco de dados relacional, tendo uma estrutura de formato concebida antes do aparecimento de recursos que definiram padrões das linguagens e dos sistemas computacionais atuais.

Apesar do padrão MARC ser aplicado em softwares bibliográficos, sua configuração natural não colabora para uma melhor modelagem de relacionamento dos seus dados bibliográficos estruturados. Ainda mais nos moldes do FRBR, surgido nos anos de 1990.

Ressalte-se que, com o estabelecimento dos novos princípios da catalogação, o lançamento dos novos instrumentos catalográficos: ISBD consolidado e RDA, as mudanças pressionam ainda mais, e urgente, sobre os formatos de intercâmbio bibliográfico. O formato MARC é a “bola da vez” dos processos catalográficos.

Com o advento da web semântica, de linguagens como XML e outros avanços tecnológicos determinando novos processos de organização da informação, padrões fechados como o nosso, e nada integrável na comunicação com outras áreas de conhecimento, passam a ser desaconselháveis. Se as bibliotecas não responderem de maneira flexível as demandas de seus usuários por novos caminhos, acabará em um “beco sem saída”. E o apego a conceitos e normas tornadas anacrônicas não será tábua de salvação, mas de suicídio.

Diante do atual universo digital, o universo bibliográfico precisa se integrar e compartilhar. Os processos bibliotecários não podem persistir na comunicação unicamente interna, entre os próprios pares ou membros. Seus serviços, produtos e recursos devem ser útil e utilizável por outras áreas de conhecimento. Exemplo de sucesso no caminho a trilhar pode ser visualizado com o VIAF (Virtual International Authority File).

A RDA, por exemplo, embute em suas normativas esta proposta de interação externa (outras comunidades), e determina que os registros bibliográficos, estruturados para aproveitamento único das bibliotecas, passem por uma nova concepção, estabelecendo o seu aproveitamento por bases de dados diversas, além de fixar relacionamentos claros dentro do catálogo bibliográfico.

Nesse intento, foi iniciado pela Library of Congress, estudos de uma nova base para o futuro da descrição bibliográfica, tanto na web, quanto em um mundo ampliado pelas redes. A base delineada transformou-se no projeto BIBFRAME (Bibliographic Framework Initiative), um novo formato que deve substituir o padrão MARC. Não há uma data pré-determinada para que isto ocorra. Aliás, prazos são relativos, de efetivo nos acontecimentos é o projeto do novo Formato orientado ao ambiente digital e dos dados vinculados.

O estágio atual de desenvolvimento do BIBFRAME está em um nível mais prático de compreensão por parte da comunidade bibliotecária. Já é previsível como ele poderá afetar o trabalho de catalogação, além do impacto sobre os dados bibliográficos produzidos e compartilhados mundialmente. O formato é projetado para se integrar com a comunidade de informação em geral, bem como, atender às necessidades específicas da comunidade de bibliotecas. A Iniciativa pretende trazer novas formas de:

§  Diferenciar claramente o conteúdo conceitual e a sua manifestação física/digital;
§  Identificar de forma inequívoca as entidades de informações (por exemplo, as autoridades);
§  Destacar e expor as relações entre as entidades.

Em um mundo moldado pelas redes, é imperativo citar os dados da biblioteca de uma maneira que diferencia a obra conceitual (um título e um autor) dos detalhes físicos da manifestação dessa obra (números de página, se é ilustrada etc.). É igualmente importante para a produção de dados bibliográficos a identificação clara das entidades envolvidas na criação de um recurso (autores, tradutores, editores) e as temáticas ou conceitos (assuntos) associados a um recurso. Embora o BIBFRAME vá definir uma nova maneira de representar e intercambiar dados bibliográficos, ou seja, substituir o formato MARC – o seu alcance é mais amplo. Como uma iniciativa, que está investigando todos os aspectos da descrição bibliográfica, criação e troca de dados bibliográficos. Além de substituir o MARC, há a necessidade de acomodar diferentes modelos de conteúdos bibliográficos, e regras de catalogação, explorando novos métodos de entrada dos dados e a avaliação dos protocolos de intercâmbio corrente.

O formato BIBFRAME é um modelo conceitual/prático que equilibra as necessidades de registro de quem precisa de uma descrição bibliográfica detalhada, e as necessidades de quem descreve outros materiais culturais, e de quem não necessita de um nível tão detalhado de descrição. Existem quatro classes de alto nível, ou entidades:

§  BIBFRAME Obra (Work): identifica a essência conceitual de algo (recurso);
§  BIBFRAME Instância (Instance): reflete o suporte (ou corporificação) material de uma obra;
§  BIBFRAME Autoridade (Authority): identifica algo ou o conceito associado a uma BIBFRAME Obra ou Instância;
§  BIBFRAME Anotação (Annotation): fornece uma nova maneira de expandir a descrição de BIBFRAME Obra, Instância ou Autoridade.


Para mais informação sobre o modelo BIBFRAME acessar: http://goo.gl/dyrtHc.

Apesar de parecer confuso, o vocabulário BIBFRAME é a chave para a descrição de recursos. Assim como o formato MARC tem um conjunto definido de elementos e atributos, o vocabulário BIBFRAME tem um conjunto definido de classes e propriedades.

A classe identifica um tipo de recurso BIBFRAME (muito parecido com o campo MARC que agrupa um único conceito). Lista de classes visualizada no quadro 01.

Quadro 01 – Lista Completa das Classes BIBFRAME

 

Agent

Annotation

Archival

Arrangement

Audio

Authority

Cartography

Category

Classification

Collection

CoverArt

Dataset

DescriptionAdminInfo

Electronic
Event
Family
HeldItem
HeldMaterial
Identifier
Instance
Integrating
IntendedAudience
Jurisdiction
Language
Manuscript
Meeting
MixedMaterial
Monograph
MovingImage
Multimedia
MultipartMonograph
NotatedMovement
NotatedMusic
Organization
Person
Place
Print
Provider
Related
Relator
Resource
Review
Serial
StillImage
Summary
TableOfContents
Tactile
Temporal
Text
ThreeDimensional
Object
Title
Topic
Work

As propriedades servem como um meio para descrever um recurso BIBFRAME (muito parecido com os subcampos MARC). Lista de propriedades visualizada no quadro 02.

Quadro 02 – Lista Completa das Propriedades BIBFRAME

 

abbreviatedTitle

absorbed

absorbedBy

absorbedInPart

absorbedInPartBy

accessCondition

accompaniedBy

accompanies

agent

annotates

annotationAssert

edBy

annotationBody

annotationSource

ansi

arrangement

aspectRatio

assertionDate

audience

audienceAssigner

authorityAssigner

authoritySource

authorizedAccess

Point

awardNote

barcode

carrierCategory

cartographicAscensio

nAndDeclination

cartographicCoordina

tes

cartographicEquinox

cartographicExclusion

GRing

cartographicOuterGR

ing

cartographicProjectio

n

cartographicScale

cartography

category

categorySource

categoryType

categoryValue

changeDate

circulationStatus

classification

classificationAssigner

classificationDdc

classificationDesignati

on

classificationEdition

classificationItem

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classificationNlm

classificationNumber

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Uri

classificationScheme

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classificationStatus

classificationTable

classificationTableSeq

classificationUdc

coden

colorContent

componentOf

containedIn

contains

contentAccessibility

contentCategory

contentsNote

continuedBy

continuedInPartBy

continues

continuesInPart

contributor

copyNote

copyrightDate

coverArt

coverArtFor

coverArtThumb
creationDate
creator
creditsNote
custodialHistory
dataSource
derivativeOf
derivedFrom
descriptionAuthenti
cation
descriptionConventi
ons
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e
descriptionModifier
descriptionOf
descriptionSource
descriptionStatus
dimensions
dissertationDegree
dissertationIdentifie
r
dissertationInstituti
on
dissertationNote
dissertationYear
distribution
doi
duration
ean
edition
editionResponsibilit
y
electronicLocator
enumerationAndChr
onology
event
eventAgent
eventDate
eventPlace
expressionOf
extent
findingAid
findingAidNote
fingerprint
formDesignation
format
formatOfMusic
frequency
frequencyNote
generationDate
generationProcess
genre
geographicCoverag
eNote
graphicScaleNote
hasAnnotation
hasAuthority
hasDerivative
hasDescription
hasEquivalent
hasExpression
hasInstance
hasPart
hdl
heldBy
holdingFor
identifier
identifierAssigner
identifierQualifier
identifierScheme
identifierStatus
identifierValue
illustrationNote
immediateAcquisitio
n
index
instanceOf
instanceTitle
intendedAudience
isDerivativeOf
isDescriptionOf
isPartOf
isan isbn
isbn10
isbn13
ismn
iso
issn
issnL
issueNumber
issuedWith
istc
iswc
itemId
keyTitle
label
language
languageNote
languageOfPart
languageOfPartU
ri
languageSource
lcOverseasAcq
lccn
legalDate
legalDeposit
lendingPolicy
local
manufacture
materialArrange
ment
materialHierarchi
calLevel
materialOrganiza
tion
materialPart
matrixNumber
mediaCategory
mergedToForm
modeOfIssuance
musicKey
musicMedium
musicMediumNo
te
musicNumber
musicPlate
musicPublisherN
umber
musicVersion
nban
nbn
notation
note
originDate
originPlace
originalVersion
otherEdition
otherPhysicalFor
mat
partNumber
partOf
partTitle
performerNote
place
postalRegistratio
n
precededBy
precedes
preferredCitation
production
provider
providerDate
providerName
providerPlace
providerRole
providerStateme
nt
publication
publisherNumbe
r
referenceAuthori
ty
relatedAgent
relatedInstance
relatedResource
relatedWork
relationship
relationshipUri
relator
relatorRole
reportNumber
reproduction
reproductionPoli
cy
resourcePart
responsibilitySta
tement
retentionPolicy
review
reviewOf
role
separatedFrom
serialFirstIssue
serialLastIssue
series
shelfMark
shelfMarkDdc
shelfMarkLcc
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shelfMarkSchem
e
shelfMarkUdc
sici
soundContent
splitInto
startOfReview
startOfSummary
stockNumber
strn
studyNumber
subLocation
subject
subseries
subseriesOf
subtitle
succeededBy
succeeds
summary
summaryOf
supersededBy
supersededInPartBy
supersedes
supersedesInPar
t
supplement
supplementTo
supplementaryC
ontentNote
systemNumber
tableOfContents
tableOfContentsFor
temporalCovera
geNote
title
titleAttribute
titleQualifier
titleSource
titleStatement
titleType
titleValue
titleVariation
titleVariationDat
e
translation
translationOf
treatySignator
unionOf
upc
uri
urn
videorecordingNumber
workTitle


O desenvolvimento do BIBFRAME sofre a influência das mudanças contínuas que ocorrem no cenário dos Serviços Bibliotecários. Aspecto que requer do BIBFRAME procedimento prático de aplicação.

Os responsáveis pelo projeto têm elaborado um piloto para testes de seu uso. Nesta fase, consta a participação de profissionais bibliotecários reunidos para aplicação e avaliação dos testes. Um módulo final de testes públicos deve ocorrer no final de 2015.

Nesse tempo trabalha-se na documentação de uso e de capacitação que estabeleçam algum tipo de apoio, semelhante ao ocorrido com a implementação da RDA. Estima-se tanto a existência, como a convivência entre os dados catalográficos criados no BIBFRAME, e dados criados no MARC, isso para que se possa começar a testar as implementações práticas. Também, deve permitir respostas a algumas das questões relacionadas com a forma de funcionamento do futuro padrão, no mundo real.

No site do projeto BIBFRAME há informações detalhadas, incluindo propostas de implementações, e de testes já realizados por algumas instituições. Outra preocupação é o de estabelecer um período de transição e neste sentido a Biblioteca do Congresso está fazendo colaboração com parceiros externos para tornar BIBFRAME uma realidade.

Atualmente, há ferramentas relacionadas à iniciativa BIBFRAME e editores de demo, em especial, o BIBFRAME Editor (BFE) um demo para experimentar a entrada de dados no formato. E a ferramenta de transformação de registros MARC para registros BIBFRAME.

É bom destacar que a iniciativa do BIBFRAME se desenvolve há vários anos. Seu anúncio formal deu-se em 2011, com o informe da Library of Congress sobre o plano geral do projeto. Em 2012, a empresa Zepheira é contratada para avaliar as iniciativas relacionadas ao mundo bibliográfico, e os novos modelos de dados, bem como, estabelecer alguma modelagem destes dados. O trabalho da empresa foi concluído no mesmo ano, com a publicação de uma estrutura inicial e algumas experimentações.

Em janeiro de 2013, a LC juntamente com a ALA estabelece o site BIBFRAME.org. Espaço de informação sobre o projeto do vocabulário, links para materiais relacionados e exemplos de códigos de transformação de registros bibliográficos. Em janeiro de 2014, fixaram-se o vocabulário do BIBFRAME. A intenção foi a de promover e criar um ambiente estável para os implementadores, para as experiências iniciais, e para as implementações em ambientes profissionais.

Desde o início, o projeto contou com vários parceiros e colaboradores da iniciativa BIBFRAME. Como exemplo, destaca-se as organizações como: OCLC, a Biblioteca Nacional da AlemanhaBiblioteca Britânica, além da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos e as bibliotecas da Universidade de Cornell, Stanford, George Washington, e Princeton. Também Terry Reese, responsável pelo software MarcEdit, se integrou ao projeto ao estabelecer algumas ferramentas com BIBFRAME.

Apesar das ações no estabelecimento de um novo padrão, não há porque existir qualquer falta de respeito para com o formato MARC e a sua história, e tudo o que tem realizado para a comunidade bibliotecária mundial. As mudanças são apenas um sinal de reconhecimento da necessidade em se obter os benefícios das tecnologias computacionais atuais. Em 2011, a ISBD Consolidada foi publicada, apesar de continuar em estudo evolutivo. Em 2013, a RDA foi oficialmente lançada apesar de estar em desenvolvimento alguns capítulos e sofrer atualizações contínuas e frequentes.

De certa forma, são acontecimentos que tinham que ocorrer mais ou menos na ordem que ocorreram para permitir gerar algum ponto de inflexão nos processos e práticas bibliotecárias. É fato que, da mudança do catálogo em ficha para o catálogo on-line, não houve uma campanha para matar o sistema em ficha. Ainda hoje há bibliotecas utilizando o sistema, caso do Brasil, por exemplo. O sistema on-line mostrou-se a melhor opção, e as bibliotecas adotaram. É mais vantajoso. Com o MARC ocorrerá a mesma coisa, uma nova alternativa virá, e as bibliotecas deverão adotá-lo, com naturalidade. Afinal, o trabalho bibliotecário será cada vez mais semântico.


 Sobre Fernando Modesto
Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.

Entre em contato com Fernando Modesto, clicando AQUI.

http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=879

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