quinta-feira, 31 de maio de 2012

BIBLIOTECA ESCOLAR Colunas Marilucia Bernardi e Maria Helena T. C. Barros MEDIAÇÃO DA LEITURA E A BIBLIOTECA ESCOLAR

Colunas Marilucia Bernardi e Maria Helena T. C. Barros MEDIAÇÃO DA LEITURA E A BIBLIOTECA ESCOLAR Há muito tempo que já lemos ou ouvimos a respeito deste assunto; muitas pessoas já abordaram, falam e, com certeza, continuarão a tratar do tema, pois ele não se esgota em si. Assim como muitas campanhas educativas, não pode ser discutido sazonalmente. É preciso haver discussões constantes até termos certeza ou sentirmos que, realmente, houve alguma mudança estrutural no nosso modo de ver e agir. Na Revista Educação, de janeiro de 2010, com muita propriedade e conhecimento de causa, Ezequiel Theodoro da Silva também envereda por esse caminho e vai longe no que diz respeito às responsabilidades dos órgãos públicos, em qualquer esfera. Texto esse que já nos havia sido transmitido pelo signatário do site, para nosso deleite, reflexão e diria ainda, preocupação. Vale a pena conhecer. Em meses anteriores, nesta mesma coluna, já foi citado que o caminho mais fácil, adequado e simplificado para ocorrer a mediação da leitura seria, justamente, pela biblioteca escolar. A questão é que além de o número de bibliotecas ser muito aquém do ideal, nos deparamos com a ausência de profissional qualificado para a esperada mediação. É mister salientar que ser “profissional habilitado” nem sempre significa ser um “profissional qualificado”, pois habilitação, todos que se formam a possuem, pelo menos teórica e tecnicamente falando, para exercer a profissão. Porém, nem todos profissionais bibliotecários possuem a qualificação necessária para trabalhar em determinados locais, com atividades diferenciadas, específicas e com públicos diversos. Mediador, segundo Antonio Houaiss é aquele que medeia, intermedeia, intervém, concilia, negocia, e, quantos de nós estamos aptos a ser um? Seria uma leviandade de minha parte encarar esta questão da mediação da leitura como sendo simples. E não é mesmo, pois envolve uma série de particularidades, a começar pelos cursos de biblioteconomia, que ainda, infelizmente, não dispõem de uma grade curricular adequada, para suprir as necessidades de cada tipo de biblioteca e de seus respectivos freqüentadores. Recentemente ministrei uma palestra sobre organização de feira de livros, no CRB 8ª.região. A proposta era a de apresentar dicas, sugestões, levando-se em conta minha experiência de 13 anos na organização das feiras no colégio onde trabalho. O público era composto de alunos e bibliotecários já formados. Dias após, recebi uma mensagem me parabenizando e ao CRB pela iniciativa e pedindo outras palestras, inclusive sobre mediação de leitura, por sentir defasagem desse e outros assuntos em sua formação acadêmica, pois na faculdade são citados de forma superficial. Daí a urgência na revisão de alguns temas a serem incluídos na grade das faculdades de biblioteconomia. Passa pelo poder público que continua com os “olhos vendados”, pelo menos parcialmente, pois a distribuição de livros (acervos) continua e tem seu mérito, porém não complementa o processo com a aprovação de abertura de concursos para provimento do cargo de bibliotecário, sendo este um dos mediadores da leitura em uma Biblioteca Escolar. Como escreve Ezequiel Teodoro da Silva: ”Sem bibliotecas na real acepção da palavra e gente especializada para dinamizá-las, continuaremos a incentivar os governos a não agir.” Outra particularidade da questão mediação da leitura é o próprio profissional, assunto também já debatido nesta coluna anteriormente, que ouso retomar visto que muito ainda há por ser feito, que é a autoformação do bibliotecário. Uma vez que as escolas ainda não suprem totalmente as necessidades, é preciso se informar, se atualizar, “correr atrás”, se reciclar e isso implica muita LEITURA, até mesmo para que possamos obter um senso crítico do que é bom ou nem tão bom para indicação. Em se tratando de Biblioteca Escolar é muito importante que o mediador conheça bem seu acervo e o perfil de seu público. Conhecendo o aluno, o mediador terá condições de saber o grau de dificuldades que ele apresenta, as preferências de assunto e gêneros literários que mais aprecia. Nas séries iniciais a mediação se faz ainda mais presente para orientar a criança no contato com o livro certo, ou seja, com a quantidade de páginas compatíveis com sua capacidade de entendimento, leitura e com o conteúdo adequado à sua idade e ao seu conhecimento. O papel do mediador é deveras complexo, pois cabe a ele a tarefa de oferecer o texto certo, para a pessoa certa, no momento certo e, de acordo com Alessandra Giordano - em seu livro: Contar histórias: um recurso arteterapêutico de transformação e cura, Editora Artes Médicas - “...ao lidarmos com as histórias, estamos trabalhando com a energia arquetípica, que é muito parecida com a eletricidade. Ela pode animar e iluminar, mas, no local errado, na hora errada e na quantidade errada, como qualquer medicamento pode produzir efeitos não desejados.” Então, todo carinho e cuidado na mediação ainda será pouco quando lidamos com leitores em formação e daí deriva a necessidade premente de o mediador, no caso, o bibliotecário, estar atento: aos lançamentos culturais diversos, atualizações literárias; alterações pedagógicas; projetos de cada série e até mesmo a mudanças de comportamento dos alunos. Como exemplo da influência da leitura ou contação de histórias no comportamento de alunos, cito um caso ocorrido conosco, em 2008, com um aluno de 8 anos, no 3° ano do E.F.I, tipificado como extremamente tímido, fechado, tendo muita dificuldade de concentração e de se relacionar com os demais. Temos na grade curricular, desde o Infantil até o 5° ano, aulas de biblioteca. Numa dessas aulas, a professora de biblioteca havia preparado uma contação de história sobre lendas das flores. A aula foi bastante proveitosa, os alunos gostaram muito e aquele em especial não só ficou atento a aula toda, como se emocionou, porém nada se falou a respeito no momento. Alguns dias se passaram e como ele tinha acompanhamento, semanal, de uma psicopedagoga, esta perguntou para a mãe e para a professora de sala sobre um tal livro de flores, que o menino tanto comentou na sessão, dizendo-lhe que havia se identificado muito com uma das lendas contadas pela professora de biblioteca. Conversando mais a respeito descobrimos que a história que ele se referira era sobre o amor-perfeito. “Conta uma lenda que o amor-perfeito nascera perfumado. Escondido nos campos, seu perfume atraía os homens levando-os a procurarem-no, com isso pisoteando todo o prado e destruindo o alimento do gado. Muito triste, a flor chorava e pedia a Deus que a libertasse de seu perfume para salvar as outras plantas e os animais. Seu desejo foi atendido e, desde então, o amor-perfeito só pode ser encontrado por aqueles que o procuram por sua forma e colorido. Assim, essa flor passou a representar o valor próprio de cada um, a reflexão, o pensamento.” (SAMPAIO, Zoraide Camargo. Flores & lendas. São Paulo: Empresa das Artes, 1991.) Não foi preciso muita análise, após a psicopedagoga ter ciência do teor da lenda do amor-perfeito, para entender a mudança de comportamento do aluno. Ela mesma ficou admirada desse trabalho transformador que pode ser a leitura e o incentivou a ler outros livros de conteúdo similar, pois sua auto-estima estava muito baixa e não conseguia reconhecer seus valores. Óbvio que essa foi apenas uma pequena parte no tratamento do menino, porém muito significativa e por isso que mencionamos a questão da importância do conhecimento do público para poder ofertar a leitura adequada. E vale mencionar que o próprio aluno, a partir de então, passou a ler mais e se relacionar melhor com os colegas. São exemplos da importância da leitura na formação das crianças; do papel da mediação e, principalmente da biblioteca escolar, que reúne condições para proporcionar experiências desse tipo para os alunos. Em Outubro de 2009 fizemos um projeto denominado Experiências literárias, nos 4°s e 5°s anos do E.F.I. A proposta era para que quem quisesse falar sobre suas preferências literárias, seus temas preferidos, se manifestassem, por escrito, numa folha própria para esse fim, entregue pela professora de biblioteca, com o objetivo de divulgar e disseminar essas sugestões para os demais alunos. Dentre as várias recebidas, reproduzo abaixo uma, de um aluno do 4° ano, que serve para ilustrar o tema mediação da leitura, aliás, esse aluno em especial é um perfeito mediador, à sua maneira. “Desde pequeno, toda noite, leio uma história com meu pai. É uma delícia ler na cama antes de dormir. Meu tema preferido é sobre histórias antigas, mas esses dias tenho lido sobre coisas mais modernas. O último livro que li é Persépolis. São 4 livros em quadrinhos que contam a vida de uma menina que morava em Teerã. Depois foi sozinha para o Irã. Ela enfrentou a guerra, uma doença no coração, mendigagem e muito sofrimento, mas a gente torce o tempo todo para ela. "Quando eu comecei a ler os livros da biblioteca, o que me incentivou foi a mitologia. Então descobri vários livros de histórias mitológicas. Uma mudança que aconteceu comigo foi que quanto mais eu lia, mais as minhas notas melhoraram. "Os cuidados que eu tomo com os livros são: guardá-los na mala para não esquecer na sala, no carro ou em casa. Uma dica para quem ainda não descobriu o prazer da leitura é começar a ler o que gosta. Eu sugiro pegar: Piratologia, Dragonologia, que além de bonitos são livros bem divertidos.” José Afonso Hackerott – 4° ano B. “Formar leitores exige noções de harmonia para escolher os remendos certos, combiná-los, reuni-los e, assim, causar os contrastes desejados e formar a beleza total da colcha, finalmente pronta, com todos os seus remendos alinhavados e devidamente cerzidos.” (RIBEIRO, Jonas. Colcha de leituras. São Paulo: Mundo Mirim, 2009) (MB) Sobre Marilucia Bernardi e Maria Helena T. C. Barros

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