quarta-feira, 14 de setembro de 2011

ENTRE A ACADEMIA E A BIBLIOTECA PÚBLICA: O METAESPAÇO

ENTRE A ACADEMIA E A BIBLIOTECA PÚBLICA: O METAESPAÇO COMO LOCUS DISCURSIVO
Adalberto Diehl Rodriguez

RESUMO: A partir da afirmativa de que a relação entre Academia e Biblioteca
Pública pode ser observada, o trabalho questiona qual é o espaço privilegiado para
tal observação e como o mesmo pode ser avaliado. Fundamentado na Teoria
Sistêmica de Luhmann, admite que as instituições sugeridas dependem de um
metaespaço comunicativo onde a relação se torne compreensível. O locus em
questão é aquele realizado na totalidade dos eventos congregadores, tais como os
fóruns, encontros e simpósios. A partir da documentação desse espaço e de sua
referência em artigos de periódicos eletrônicos de livre acesso na web, elaborou-se
uma pesquisa na Base de Dados Referenciais em Ciência da Informação (BRAPCI).
A pesquisa levantou os artigos de periódicos eletrônicos publicados no Brasil, entre
2005 e 2009, alusivos à temática sugerida, através da busca pela expressão
“Biblioteca Pública” na consulta Palavras-chaves. A seguir, analisou as referências
constantes dos artigos de periódicos recuperados pelo levantamento bibliográfico,
relativas às comunicações científicas em eventos. Por fim, estudou nas referências
os indicadores qualificação do metaespaço, abrangência geográfica, data e
quantidade de referências. Os resultados apuraram que apenas quatro artigos
alusivos à temática Biblioteca Pública, dentre dezessete, nos últimos cinco anos,
referenciaram comunicações científicas. De 294 documentos referenciados em todos
os artigos, apenas seis documentam metaespaços. O intervalo de tempo entre o
artigo citante e o metaespaço referenciado variou de três a onze anos. O trabalho
conclui que a produção acadêmica focada na Biblioteca Pública através de artigos
de periódico é ínfima. Considera que é raro o uso dos metaespaços como
promotores do discurso comum entre Academia e Biblioteca Pública. Apura que as
pautas formadoras do discurso nos metaespaços ainda persistem com uma
significativa passagem de tempo. Sugere, por fim, uma maior interatividade na
relação entre Academia e Biblioteca Pública, bem como a busca de um maior
impacto por parte dos metaespaços próprios do discurso comum entre as
instituições relacionadas.

*
Bacharel em Biblioteconomia e Especialista em Projetos Sociais e Culturais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador da Biblioteca Pública Municipal de Alvorada (RS) e autor das obras Diagnóstico em Bibliotecas Públicas: guia para a solução de problemas a partir do reconhecimento de situações decisórias na instituição (Porto Alegre:
Armazém Digital, 2008) e A Condição Civilizatória: uma visão essencialista da informação, da inovação e do conhecimento (Leme: Mundo Jurídico, 2010), vencedora do I Concurso Literário da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições.

PALAVRAS-CHAVE: Academia, Biblioteca Pública, Comunicação Científica
1 INTRODUÇÃO
Relacionar Academia e Biblioteca Pública constitui uma construção reflexiva
que foge ao óbvio. Fosse tal relação proposta entre Biblioteca Universitária e
Academia, firmar-se-ia uma construção muito mais evidente. Mas relacionar
Academia e Biblioteca Pública pressupõe uma complexidade maior, considerando-se
a expressão de dois domínios distintos.
Não obstante a distinção, é mister haver um denominador comum de visão,
ou tal associação seria inviável. Isso não significa necessariamente uma intersecção entre os campos, fundamentada numa racionalidade subjetiva, na qual o sujeito e o objeto emergem com muita propriedade, dependendo de como os fatos são vistos. 3Em outras palavras: para relacionar as instituições sugeridas é preciso observá-las, mas qual delas constitui um espaço privilegiado para a observação da relação?
Uma avaliação da Biblioteca Pública pela Academia possibilita questionar
cientificamente a primeira. Mas uma avaliação da Academia pela Biblioteca Pública
tem razão de ser no debate amplo, quanto ao fato de a primeira estar ou não
conseguindo problematizar as necessidades da segunda como objeto de estudo. A
interrogação é o ponto de partida para este trabalho, que visa discutir o elo entre as instituições propostas, e como este elo pode ser observado e avaliado.
Academia e Biblioteca Pública podem ser vistas numa perspectiva sistêmica,
como a proposta por Luhmann (1996), pois não se confundem: são estruturas
formadas numa perspectiva particular, diferenciadas do ambiente em que se
encontram presentes. São sistemas fechados, auto-suficientes para atualizarem
suas estruturas internas a partir da seleção que são capazes de fazer perante os
influxos que observam nas mudanças do ambiente. Usando um termo tomado de
empréstimo da Biologia, por Luhmann, os sistemas são autopoiéticos.
Assim, a Biblioteca Pública e a Academia observam-se mutuamente sem que
suas próprias estruturas e funções se confundam com aquelas observadas. Na
verdade, sequer trata-se de uma observação direta: um sistema sempre observa a si (auto-observação) ou a observação de outro sistema a si (hetero-observação). O
denominador comum de visão que viabiliza a associação entre os domínios depende
de um observador de segunda ordem, que possa reunir, num único espaço e
momento as distintas observações, observador esse situado num espaço entre a
poiesis e a praxis: o metaespaço da comunicação científica.
2.2 A Razão para Relacionar Academia e Biblioteca Pública
Nos últimos anos, as políticas públicas brasileiras têm produzido uma série de
atualizações a partir de demandas específicas dependentes de observações ligadas
à Biblioteca Pública. São observações tão relevantes que, no Plano Nacional do
Livro e da Leitura (PNLL), de 2005, a participação das bibliotecas públicas é
lembrada em todos os seus eixos de ação – do fomento à leitura, à economia do
livro. Também na segunda edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil,
realizada pelo Instituto Pró-Livro, em 2008, apontou-se a necessidade de expandirse a freqüência e o uso das bibliotecas municipais pela população.
A relação entre incentivo à leitura, fortalecimento de bibliotecas públicas e
desenvolvimento econômico e social não constitui um elo novo para os
bibliotecários. Estes profissionais, dentre os quais destaca-se Emir Suaiden (1980),
já o afirmavam no início dos anos oitenta. Desde aquela época, várias tentativas de
buscar a definição de políticas próprias para o desenvolvimento das bibliotecas
públicas e do incentivo à leitura culminaram com o PNLL, quando o Ministério da
Cultura apresentou um documento elaborado a partir do debate entre representantes
de toda a cadeia de produção do livro, onde foram discutidas as prioridades que
deveriam orientar uma política nacional de incentivo à leitura, cujo componente
fundamental é o desenvolvimento de bibliotecas publicas.
Pode-se considerar o PNLL como uma vitória para todos os profissionais da
informação, sobretudo para os bibliotecários que insistiram por décadas na
necessidade de políticas voltadas ao desenvolvimento de bibliotecas públicas. Não
obstante, se há hoje o reconhecimento da biblioteca pública no contexto prático de afirmação das políticas, como a instituição é reconhecida em sua dimensão teórica pelos bibliotecários e cientistas da informação?
A importância dessa pergunta tornase visível porquanto a ação política requeira que haja competências para serem
desenvolvidas, competências cujo foro privilegiado reside no corpo de
conhecimentos constituídos pela Biblioteconomia. O desenvolvimento das políticas
públicas requer que os profissionais atuantes na instituição Biblioteca Pública
detenham, portanto, não só comprometimento com a instituição, mas também
conhecimento de seu sistema, como um conjunto de conhecimentos bibliotecários
pertinentes a essa área.
Nesse sentido, a razão para relacionar Academia e Biblioteca Pública
justifica-se no reconhecimento da dimensão teórica, fundamental para o
aprimoramento dos profissionais que atuam nas bibliotecas públicas. Esse
reconhecimento depende de resposta a duas perguntas: o que se tem produzido na
temática Biblioteca Pública e quais são as suas fontes? Investigar essas questões
permite que se descubra o estado da arte da temática no Brasil. É na heteroobservação dessa necessidade que a Academia atualiza a sua agenda de
pesquisas, desenvolvendo estudos potentes para a pauta.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A produção acadêmica focada na Biblioteca Pública através de artigos de
periódico é ínfima. A constatação é preocupante, considerando-se que a partir do
PNLL exige-se um posicionamento estratégico das bibliotecas públicas em torno do
desenvolvimento da leitura no país. A ausência de uma quantidade maior de artigos
sobre a temática indica que há pouca produção de investigação na área.
Entretanto, mesmo entre os poucos artigos acerca da temática proposta, há
uma quantidade inexpressiva de referências alusivas às comunicações científicas, o
que indica o raro uso dos metaespaços como promotores do discurso comum entre
Academia e Biblioteca Pública. No que diz respeito às bibliotecas públicas, os
eventos que lhe são próprios tendem a esgotar-se em seu acontecimento, sem que
sua memória registrada seja reutilizada como referência para novos trabalhos.
Deve-se considerar, ainda, que os metaespaços, quando citados em um
artigo, dataram de pelo menos três anos anteriores, chegando mesmo a doze anos.
Isso significa que as pautas formadoras do discurso nos metaespaços ainda
persistem com uma significativa passagem de tempo. Há a necessidade de se
investigar se trata-se de problemas ainda não solucionados.
A observação mútua entre Biblioteca Pública e Academia necessita de uma
atualização, dada pelo observador de segunda ordem, o pesquisador. Deve haver
incentivo para que os bibliotecários comprometidos com o serviço público dediquemse à investigação científica através da Academia, tanto quanto os pesquisadores acadêmicos dediquem-se ao estudo das problemáticas apontadas pelos
bibliotecários na Biblioteca Pública. Requer-se uma maior produção de artigos nesse 11
âmbito, tanto quanto um maior impacto por parte dos metaespaços próprios do
discurso comum entre Academia e Biblioteca Pública, de modo a gerar contribuições
importantes ao pensamento dos profissionais e pesquisadores bibliotecários.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. PNLL: Plano Nacional do Livro e da Leitura. Brasília: Ministério da Cultura,
Ministério da Educação, 2005. Disponível para download em:
. Acesso em: 19.10.2009.
CARRIZO SAINERO, Gloria; RODRIGUEZ-LÁZARO, Antonio Franco; DEL AMO,
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Acesso em 19.10.2009.
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FONSECA, Edson Nery da (org.). Bibliometria: teoria e prática. 9. ed. São Paulo:
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LUHMANN, Niklas. Introducción a la Teoría de Sistemas. México (D.F.):
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