segunda-feira, 19 de setembro de 2011

DESIGN DE BIBLIOTECAS VIRTUAIS CENTRADO NO USUÁRIO

DESIGN DE BIBLIOTECAS VIRTUAIS CENTRADO NO USUÁRIO: a abordagem do "Sense-Making" para estudo de necessidades e comportamento de busca e uso de informação
Miguel Ángel Márdero
INTRODUÇÃO
Na área da Ciência da Informação, os estudos centrados no usuário podem se dividir em dois grupos, os tradicionais que examinam os sistemas apenas com base em características grupais e demográficas de seus usuários e os alternativos que estudam as características e perspectivas individuais dos usuários. A mudança neste campo de estudo, segundo Ferreira (1996, p.221-222), acontece no momento em que o enfoque deixa de ser sobre quem usa os sistemas de informação e com que freqüência, e passa a ser com que propósito os sistemas são utilizados e como eles efetivamente ajudam. Uma dessas abordagens alternativas tem sido o Sense-Making de Brenda Dervin (1989, 1993, 1994). O trabalho de Dervin procura identificar quais são os indicadores potenciais do comportamento de busca e uso da informação sob a ótica do usuário, prestando maior atenção as mudanças temporais e espaciais que ocorrem no cotidiano dos indivíduos.
I TÓPICO: estudos de necessidades, comportamento da informação e dos usuários
Segundo Dervin, as abordagens tradicionais de estudos de usuário estão baseados em certos mitos, que colocam os sistemas de informação como sendo estruturados herméticamente contendo unicamente informação e tecnologia. A informação é entendida como um produto fechado e estruturada em "tijolos de informação". Esses "tijolos" são transmitidos às pessoas dentro de um processo de comunicação pouco flexível. Para a Professora nesses estudos, os produtos de informação (artigos, livros, relatórios, fatos, etc.) são armazenados e achados pelos individuos de uma maneira aleatória. Os indivíduos são vistos como seres habituados a obter informação e pelo mesmo motivo obrigados a passar pelos sistemas de informação constituídos.
Baseados nesses mitos, todos os sistemas de telecomunicação também vêem aos usuários como tendo a obrigação de, no decorrer de sua vida, passar pelo ambiente das telecomunicações formado pelas regulamentações governamentais, os grupos de cidadãos organizados e as companhias produtoras de sistemas e redes de comunicação.
A expectativa de que os usuários terão a mesma capacidade organizativa que tem o sistema é comprovadamente um mito; um conjunto de idéias que produz comportamentos discordantes com as verdadeiras necessidades de informação de uma sociedade, e que ao mesmo tempo, produz teorias para explicar porque "as pessoas fracassam na suas tentativas de obter informações através dos sistemas constituídos".
Para Dervin (1989, p.230), as categorias com as quais têm-se tradicionalmente tratado de compreender como as pessoas usam a informação são insuficientes para cobrir os aspectos mais relevantes dos usuários, e em conseqüência evitam um acesso democrático as informações. O que ela propõe é um novo processo de comunicação.
Na percepção dos indivíduos, os sistemas de informação aparecem como uma ajuda nos momentos que precisam "dar sentido" ou resposta a seus questionamentos sobre o que pretendem fazer, onde querem chegar, como e porque agir de uma forma ou outra. O sistema somente terá resposta a essas perguntas quando for um sistema responsável do seu papel determinante para a interpretação da realidade dos individuos que compõem a sociedade em que o sistema está inserido.
II TÓPICO: a abordagem do 'Sense-Making'(o ato de fazer sentido) e a sua prática
Para exemplificar como o conhecimento do real no Ocidente é influenciado pelas nossas perspectivas ontológicas (da natureza das coisas e dos seres humanos) e epistemológicas (visões da natureza do conhecimento e padrões de avaliação do conhecimento como informativo), a Profa. Dervin dividiu, em seis grupos de pressupostos, as abordagens que nas áreas das ciências e das humanidades tem tido como foco de discussão a informação. Os seis grupos "estereotipados" de pressupostos ontológicos e epistemológicos analisados foram: o do dogma/autoridade, o do naturalismo/empirismo/positivismo, o do relativismo cultural, o do constructivismo, o do post-modernismo, e o do sense-making baseado em algumas idéias do comunitarianismo (Dervin,1994 p.377).
O modelo do discurso teórico do Sense-Making foi apresentado como uma metodologia onde é permitido inventar opções para interpretar e analizar o fenômeno da informação; a metodologia parte de certos presupostos sobre o fenómeno, como o de que a informação ser um meio e não um fim. Para Dervin todas as outras perspectivas do conhecimento são válidas, como passos a ser percorridos para o entendimento da realidade, uma realidade composta de ordem e caos, estabilidade e desestabilidade, hábito e mudança, mas, que em qualquer delas existe a necessidade de informação. Até para aqueles que são capazes de ver a falta de acesso efetivo à informação, a construção de um mundo informado nunca poderá cobrir toda a riqueza e complexidade da diversidade da existência humana. Mas, geralmente, diversidade é entendida como caos e o sistema como ordem, ou seja, o oposto da diversidade.
A estratégia proposta pela abordagem do Sense-Making, parte da idéia básica de que nós humanos temos a capacidade de nos entender mutuamente apesar de cada um de nós ver as coisas desde pontos de vista diferentes. Isto leva ao pressuposto de ter-se no mínimo duas possibilidades para tudo. Para o Sense-Making as pessoas procuram informação quando estão em um "gap" ou quando estão em uma situação de mudança ou caos, em outras palavras, quando não têm respostas claras ou estão tratando de "fazer sentido". Para cruzar esse "gap" as pessoas constroem "pontes", quer dizer, respostas tentativas frente ao que não apresenta ter uma resposta clara. Mesmo dos pontos de vista diferentes sobre a mesma coisa precisam de um enorme componente de flexibilidade para ter uma resposta aceita mutuamente.
A Professora chamou a atenção para a enorme flexibilidade que os novos meios de comunicação possuem e que ainda continuam pouco explorados para benefício dos usuários. Os novos sistemas eletrônicos agilizam a informação em quantidades e velocidade inimagináveis através do espaço, mas as evidências mostram que os responsáveis por esses sistemas continuam fazendo as coisas da mesma maneira que nos sistemas tradicionais de informação, isto é, se perpetua a percepção de que as pessoas são ineptas a atuar frente à estrutura de informação estabelecida. No ciberespaço, o uso da metodologia do Sense-Making pode ajudar a revelar o potencial que está na realidade dos usuários e que pela reprodução dos sistemas não centrados no usuário pode deixar ainda encoberta.
O trabalho dos profissionais da informação é o de lidar com sistemas de informação que deveriam ter respostas para todas as necessidades dos usuários. Por esse motivo duas perguntas básicas dentro da metodologia do Sense-Making são: qual é o "gap" que está querendo se cobrir? e o que conduz a pessoa para esse ou aquele raciocínio? O reconhecimento da importância dessas questões surge depois de ter-se comprovado que é necessário usar os fatos para organizar a realidade e dessa maneira colocar a informação dentro do seu contexto. Os fatos devem estar sempre ligados a um contexto; se as pessoas olham para a informação através do seu contexto, a realidade pode ficar um pouco mais compreensível, no mínimo, no momento-espaço em que os fatos acontecem.
O profissional da informação deve ser capaz de saber fazer a pergunta que leve ao ponto central do assunto. Nos estudos que usaram a metodologia do Sense-Making aparece claramente, como as respostas a esse tipo de questões podem-nos levar a compreender como as pessoas "dão sentido" à realidade do seu trabalho e nos sistemas de informação que utilizam.
Basicamente, as entrevistas feitas dentro dos estudos de Sense-Making das necessidades de informação de diferentes categorias de usuários têm como característica perguntas que fazem referência a algum dos quatro momentos que formam a "metáfora do Sense-Making": situação, "gap", ponte (bridge), ajuda (help), representados da seguinte maneira: S B H G
A proposta é pensar as situações como forma de movimento no tempo e no espaço; primeiro tem que se localizar o interlocutor detido em alguma das chamadas pela professora Dervin de "situation movement stops" e tentar saber porque parou nela. A resposta à questão de porque a pessoa parou nessa "situação-movimento" pode ajudar ao sistema de informação na sua própria tomada de decisões.
Alguns desses momentos "situação-movimento-parada" são:
esperando enrolando
passando o tempo obstaculizando
problematizando sendo levado
decidindo fracassando
paralizando mexendo
observando desfrutando

A perspectiva que o Sense-Making oferece para entender os processos de informação/comunicação tem como elemento principal o movimento, onde as entidades e os estados tornam-se processos e dinâmicas, transformando os substantivos que identificam essas entidades/estados em verbos que indicam algum tipo de movimento.
O método de ir sempre na procura do "gap" ou da ponte entre a situação e a ajuda significa olhar para a situação problemática como um momento de decisão, onde a resposta a nossas perguntas vão ser sempre expressar confusão, idéias, emoções, sentimentos, perguntas e conclusões. A linearilidade da narrativa não deve ser o fator que determine a nossa percepção das situações. A Professora Dervin mostrou como, pelo fato do profissional da informação deixar de impor uma linearilidade na narrativa do seu usuário, as ações descritas conterão outra interconexão que poderá ajudar ao próprio usuário na construção de suas "pontes" ou idéias formadas.
As considerações acima podem ser muito úteis no momento de coleta de dados, com usuários de sistemas de informação que estão atualmente em serviço. Em qualque tipo de entrevista, tanto individual como em grupo, o procedimento pode se iniciar na narração da última vez que tiveram acesso ao sistema; a atividade do entrevistador nesse momento deve ser a de tentar identificar três partes do triângulo: a situação (o que está se manifestando), o "gap" (aquilo sobre o qual se deseja ter uma resposta) e a ajuda (o que você pode fazer).
O instrumento de ajuda básico para a pesquisa de usuário no Sense-Making é a entrevista do "micro-momento" (Dervin, 1986), essa entrevista é formada por três passos básicos que precisam estar sob o controle do entrevistador e do entrevistado:
1º narração de eventos ordenados no tempo ou sem ordenar,
2º expressão de confusões, idéias, emoções, sentimentos, perguntas e conclusões,
3º as respostas a perguntas tais como: - o que ajudou você nesse momento? - o que levou você a essa conclusão? - quais conexões você percebe? - como você quer ser ajudado agora?
As perguntas realizadas durante a entrevista dão lugar a muitas repetições, mas como a Professora Dervin mostrou, cada resposta obtida, diferente da obtida na pesquisa demográfica, tem contida a visão do mundo do entrevistado e, se no lugar de criticar ou corrigir, o entrevistador organiza a fala em triângulos (situação/gap/ajuda), obterá não unicamente o registro das emoções mas também elementos para o desenho de uma base de dados sobre as necessidades de informação de um determinado tipo de comunidade.
III TÓPICO: o Sense-Making para as bibliotecas virtuais
Entre as múltiplas aplicações do Sense-Making estão o desenho de:
- sistemas de informação,
- sistemas expertos,
- software de testagem,
- software de interface,
- sistemas de recuperação,
- bibliotecas virtuais.
Para esta última, os idealizadores devem ter claro como uma interface eletrônica pode ajudar a resolver necessidades de diferentes categorias de indivíduos. Em primeiro lugar, o desenho das páginas deve conter diálogos baseados na metodologia do Sense-Making, ou seja, conseguir fazer que a pessoa participe de uma entrevista claramente articulada para obter informações que sejam para o seu beneficio.
Entretanto, é evidente que toda situação de obtenção de informação contém algum índice de stress, e é por esse fato que a recomendação da Dra. Dervin é que as perguntas a serem formuladas reproduzam um fidedigno interesse de escutar o que o usuário tenha para dizer.
As perguntas podem aparecer em qualquer lugar das páginas, desde o momento em que a pessoa entra na biblioteca virtual até, o momento de sua saída. Recomenda-se que os ícones sejam utilizados como orientadores do que pode ou não estar indo bem ou sendo um obstáculo para o visitante. Todas as respostas devem ser codificadas para mais tarde serem convertidas em uma base de dados que informe sobre as necessidades reais de informação dos usuários.
Frente a questão de como ter sobre o sucesso ou fracasso da utilização dessa prática na obtenção de dados que possam ajudar a dar um melhor serviço, a professora Dervin afirmou que esse resultado pode ser avaliado quando o usuário afirmar que se está fazendo algo útil para ele.
Quando se realiza uma pesquisa do tipo Sense-Making com pessoas que utilizam bases de dados computarizados não se deve perguntar diretamente pelas emoções, o entrevistador deve ser capaz de identificá-las nas respostas recebidas. Todas as respostas podem ajudar a criar um novo desenho de biblioteca virtual que utilize as vantagens do hipertexto e da livre busca de informação sem criar maior confusão.
O que existe atualmente na Internet é a reprodução da tradicional estrutura de sistemas de informação com textos, imagens e botões dos quais o usuário depende para fazer sua pesquisa mais amena mas isso, em realidade, vai depender mais da rapidez e precisão do sistema acessado na recuperação da informação solicitada.
Dervin propõe que para algumas áreas de pesquisa como Ciência e Tecnologia, em função de sua complexidade e multiciplinariedade, incremente-se nas bibliotecas virtuais um lugar onde as pessoas possam fazer comentários sobre os documentos acessados, para que os demais usuários também possam ler e opinar a seu respeito. O "design" de um lugar onde as pessoas possam trocar opiniões pode ser um meio de mostrar aos usuários que o sistema, não simplesmente se preocupa com o acesso aos documentos, mas promove o intercâmbio e diálogo interdisciplinar.
Para Dervin, um bom inicio é a realização de ligações telefônicas sistemáticas aos usuários a fim de registrar suas opiniões e mais tarde divulgá-las on-line; dessa forma os usuários irão acostumando-se a saber que no sistema tem "alguém" ouvindo. Isto superaria as barreiras encontradas na administração das chamadas "áreas de sugestões" onde as pessoas simplesmente escrevem sugestões de rotina, sem nenhum conteúdo que possa levar a determinar o seu verdadeiro interesse. Não se trata de fazer um tipo de "relações públicas" mas de permitir uma autêntica intervenção humana que modifique a forma como as relações sociais estão sendo estabelecidas pelo avanço tecnológico na nossa época.
Por último, a professora Dervin expôs o fenômeno que ocorre atualmente nos Estados Unidos na área das bibliotecas virtuais. No setor público, o governo americano investiu um grande orçamento na edificação de dez grandes bibliotecas virtuais através da National Science Foundation Digital Library Iniciative, mas ele agora esta preocupado por não saber quem vai sustentar essas bibliotecas quando a verba da Iniciativa acabar, pois aparentemente não existe um público definido que possa arcar com as despesas.
CONCLUSÃO
Deve-se reconhecer a importância desta abordagem, pelo fato de encaminhar os estudos de usuário para uma compreensão mais humanista dos sistemas de informação, e por propor que esteja sempre em primeiro lugar a procura por conhecer melhor o usuário. Algumas das suas propostas fazem parte dos princípios teóricos da psicologia e da lingüística cognitiva.
A discussão proposta pela professora Devin sobre a necessidade de tornar o sistema de informação mais flexível, aceitando as diferenças, e construir assim um sistema mais responsável e democrático, coloca o usuário definitivamente como o agente que através de suas necessidades pessoais deve definir o sistema, fazendo dele algo realmente útil.
A abordagem de sense-making chama a atenção para a importância de que exista um diálogo aberto entre a iniciativa privada e a pública para estabelecer um respaldo mútuo aos trabalhos que vêm sendo feitos na área das bibliotecas virtuais, reafirmando a necessidade de que exista em todos os envolvidos na estruturação dos novos sistemas de informação um pouco mais de entendimento sobre as necessidades reais dos usuários.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DERVIN, B.; DEWDNEY, P. (1986). Neutral Questioning: a new approach to the reference interview. RQ, p. 506-513.
DERVIN, B. (1989). Users as research inventions: how research categories perpetuate myths. Journal of Communication, v. 39, n. 3, p. 216-232.
DERVIN, B.; CLARK, K. D. (1993). Communication and democracy: a mandate for procedural invention. In: SPLICHAL, S.; WASKO, J. ed. Communication and Democracy. Norwwod, NJ: Ablex, p. 103-140.
DERVIN, B. (1994). Informação<->Democracy: an examination of underlying assumptions. Journal of the American Society for Information Science, v. 45, n. 6, p. 369-87.
FERREIRA, Sueli Mara S. P. (1996). Novos paradigmas da informação e novas percepções do usuário. Ciência da Informação, Brasília, v. 25, n. 2, p.217-223, maio-agosto 1996.

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