terça-feira, 19 de julho de 2011

Tecnologias da informação e impacto na formação do profissional da informação

Tecnologias da informação e impacto na formação do profissional da informação


Carlos H. Marcondes


Professor, Departamento de Documentação

Universidade Federal Fluminense


Niterói, RJ

Brasil




Introdução

Ninguém questiona a centralidade que as tecnologias da informação atualmente desempenham nas práticas dos profissionais de informação. Embora óbvio e inquestionável, lugar comum mesmo, a verdadeira dimensão desse impacto é ainda pouco dimensionada e é vista pelos profissionais de informação de uma forma bastante impressionista e superficial, ora subestimando-a, ora superestimando-a. Essa atitude ajuda pouco a aferir sua real dimensão. O ensino e a formação profissional entre nós refletem a realidade dinâmica das tecnologias da informação de forma mais lenta e defasada ainda (Robredo, 1986). No entanto, apesar das nossas limitações, é importante e urgente recolocar e rediscutir a questão.

Não poderia ser de outra maneira. A tecnologia de informação evolui de forma tão rápida que é difícil aferir seus impactos quando se esta no meio da transformação. Em poucos anos ela passa a ter uma centralidade nas atividades de tratamento da informação. Seus impactos aí são muito grandes (Marcondes, 1997b). O processo de inovação / obsolescência tecnológica é um dos motores do capitalismo atual (Marcondes, 1997). Na verdade a mudança tecnológica é reconhecido como um dos fatores de instabilidade nas instituições, isso em diversas áreas, países e atividades, mas de forma especialmente grave entre nós, países do Terceiro Mundo, onde, historicamente, a tecnologia tem sido sempre trazida de fora. Já que esta está sempre associada ao novo, a sua origem em países avançados, sua capacidade de intervenção na realidade é superestimada, ela é tida muitas vezes como autônoma, autosuficiente, capaz de resolver todos os problemas. Além do mais, a tecnologia da informação é tão umbricada com conteúdos simbólicos (Marcondes, 1998), tão associada a uma imagem de modernidade que é cara às nossas sociedades, que se torna necessário uma cuidadosa e isenta atitude para analisar a questão.

O impacto das tecnologias da informação nas bibliotecas e suas conseqüências na formação profissional tiveram um reflexo importante na literatura da área (Lancaster, 1994), inclusive no Brasil. Embora diferentes autores brasileiros concordassem sobre a importância da questão, as concepções que embasam as propostas diferem em relação a que papel o profissional de informação deveria desempenhar na operacionalização das tecnologias de informação nas bibliotecas. Cunha (1991) sugeria que os estudantes de biblioteconomia deveriam se familiarizar, desde os bancos escolares, com o uso do computador. Propostas como as de Carlson (1986), Paranhos (1985) e Marcondes (1989) sugeriam que o profissional de informação deveria se capacitar em programação e análise de sistemas, para poder participar no desenvolvimento de sistemas bibliográficos. O próprio currículo mínimo de biblioteconomia, aprovado em 1982 pelo Conselho Federal de Educação indica que deveriam ser oferecidas disciplinas conteúdos de elementos de análise de sistemas e computação (Brasil, 1982). Por essa época a questão da participação de profissionais de informação em equipes de desenvolvimento de sistemas bibliográficos estava colocada concretamente na realidade brasileira. A reserva de mercado para produtos de informática vigente no país na década de 80 não deixava praticamente nenhuma opção às bibliotecas que quisessem se automatizar senão o desenvolvimento de sistemas próprios. E este foi o caminho seguido por diversas bibliotecas brasileiras, principalmente as maiores.

Hoje a realidade é outra. Especificamente em relação a automação de bibliotecas, a abertura do mercado brasileiro a partir dos anos 90, o ingresso de produtos internacionais, colocam para o profissional de informação uma realidade não mais do desenvolvimento de sistemas, mas sim da avaliação e seleção de produtos. A tecnologia da informação esta presente de forma muito mais abrangente em todas as etapas do trabalho informacional. Automatizar o acervo de uma biblioteca é hoje somente uma das facetas do emprego de tecnologia da informação nas práticas informacionais

A partir dessa constatação, este trabalho se propõe a levantar algumas questões sobre as necessidades de formação do profissional de informação em países como os nossos a partir do impacto das tecnologias da informação sobre a prática do profissional de informação. Isso é feito tendo como referencial a experiência da estruturação do ensino de biblioteconomia no Brasil. A estrutura do trabalho e a seguinte: na seção 2 são analisados os impactos da tecnologia da informação nas práticas informacionais; na seção 3 são discutidas as concepções vigentes no Brasil do ensino das tecnologias da informação na formação do profissional de informação; na seção 4 é formulada uma nova concepção para o problema, a partir do uso atual das tecnologias da informação na prática de informação; na seção 5 são apresentadas conclusões.

Impacto das tecnologias da informação nas práticas informacionais

Lévy (1993) considera que as novas tecnologias da informação, da mesma forma que a invenção da escrita por volta de 3000 a.C. e da imprensa por Gutemberg, no século XV, são tecnologias da inteligência, no sentido de se constituírem em novas ferramentas cognitivas. Na medida que viabilizam novas possibilidades cognitivas, possibilitam um salto qualitativo em nossos possibilidades de raciocínio e apreensão de conhecimento. O trabalho de Lévy é emblemático de uma série de outras colocações, que vinculam de forma definitiva o trabalho informacional com a questão da gestão do conhecimento e da inteligência (farradane, 1980; Dedijer, 1987; Miranda, 1995; Borges, 1995).

As novas tecnologias de informação transformaram de maneira fundamental as práticas informacionais, na medida que operaram a separação entre suporte e informação. A partir daí, toda uma prática informacional baseada nos suportes esta tendo que ser repensada, trazendo novos problemas conceituais e, consequentemente, didáticos. A diversidade de novos documentos em meio eletrônicos -hipertextos, imagens- também diminui o peso relativo do livro em relação a outros materiais e as facilidades de acesso propiciadas pelas rede demandam que sejam pensadas novas formas de tratamento e recuperação dos mesmos.

Simultaneamente, outros impactos se dão também pelo lado do usuário, propiciando novas facilidades de acesso e tendendo a alterar profundamente o papel desempenhado pela biblioteca, tradicional intermediária entre os usuários e recursos informacionais. Com o acesso às redes, os usuários tendem a se tornar mais autônomos. Entre nós no entanto, muitos usuários ainda não descobriram as potencialidades das novas tecnologias, o que abre todo um novo espaço para um trabalho informacional de promover, capacitar, organizar e prover o acesso a esses novos recursos (Gonçalves, 1998).

A partir do advento da Internet, na década de 90, a quantidade de informação disponível em meio eletrônico passa a crescer exponencialmente. As políticas de acervo de todas as bibliotecas tem que ser repensadas a luz dessa nova realidade. Todo o ciclo informacional que incluía etapas com identificação, localização, acesso ao documento, manipulação e uso deve ser repensado. O foco do trabalho informacional se desloca do tratamento para a facilitação do acesso; a “explosão informacional” torna mandatório que sejam desenvolvidas novas propostas de “catalogação na fonte” de documentos eletrônicos como por exemplo o Dublin Core (Weibel).

Tudo isso aponta para a necessidade de um novo pacto com os usuários, para um novo papel, para sua incorporação definitiva nas práticas informacionais, para um papel mais fundamental dos mesmos na co-gestão, sustentação e nas práticas do dia-a-dia das unidades de informação.

Ora, informação é meio; só tem sentido como viabilizadora de outros fins demandados pela sociedade: cultura, ciência, ensino / aprendizagem, atividades econômicas. Mais do que nunca entre nós, precisa ser repensada a “utilidade social” da biblioteca, sua visibilidade. O conceito de demanda social é útil para analisar as instituições de informação brasileiras e sua relação com os usuários. Sobre isso Shera (1971, p. 11) nos adverte: O objetivo da biblioteconomia seja qual for o nível social que deva operar é aumentar a utilidade social dos registros gráficos, seja para atender à criança analfabeta absorta em seu primeiro livro de gravuras, ou um erudito absorvido em alguma indagação esotérica. Diante da intangibilidade do nosso objeto de trabalho, utilidade social, visibilidade, demanda social devem ser buscados obsessivamente pelas bibliotecas. A tecnologia da informação deve ser vista como potencializadora de novos e melhores serviços aos usuários, aumentando a utilidade social da biblioteca. Nessa perspectiva, vejamos como essas questões se refletem no ensino.

O ensino das tecnologias da informação no currículo atual

A concepção atual do ensino das tecnologias de informação na formação de profissionais de informação remota, no Brasil, aos anos 80, data da última versão do currículo mínimo de biblioteconomia. A importância crescente das tecnologias da informação nas bibliotecas tem um reflexo inicial na formação profissional, via introdução de disciplinas específicas no currículo de biblioteconomia. Atualmente elas são duas: uma disciplina do ciclo básico de fundamentos ou de introdução à computação, genérica, oferecida a diferentes cursos; e uma disciplina específica, no ciclo profissional, de processos de automação em bibliotecas.

Esta prática didática concentrada em poucas disciplinas corresponde a um estágio inicial de emprego das tecnologias de informação em bibliotecas igualmente concentrado, quando o processo de automação era um dentre outros momentos nas atividades de uma biblioteca. Por esta época várias bibliotecas desenvolviam satisfatoriamente suas atividades sem qualquer aporte das tecnologias de informação.

Um número cada vez maior de recursos informacionais diversos, de documentos e referências de documentos existe ou já é produzido naturalmente e diretamente em suporte eletrônico. Trata-se menos de “começar do zero” como na década de 80, de “automatizar” todo um conjunto de documentos em papel e cada vez mais de integrar e “bem utilizar” a tecnologia de informação de forma abrangente. Uma proposta didática que reflita essa situação é delineada na próxima seção.

Novas realidades e a necessidade de novas práticas didáticas

Hoje o emprego de tecnologia da informação é muito mais abrangente e amplo que a mera automação de um acervo, cobrindo por completo todo o ciclo de produção, transferência e uso da informação. Vejamos alguns exemplo.

Quando se fala em política de acervo e desenvolvimento de coleções não se pode esquecer dos recursos eletrônicos, das bases de dados remotas ou em CD, dos recursos Internet. Quando se fala em seleção e aquisição não se pode deixar de utilizar as facilidades de consulta aos catálogos eletrônicos de livreiros e editores e dos mecanismos de compra a distância, da integração entre aquisição e tratamento técnico fornecidas por redes como a OCLC. Quando se fala em representação descritiva e temática, não se pode esquecer dos bancos de catalogação cooperativa como o rede OCLC e a rede Bibliodata/Calco no Brasil. Quando se fala de bibliografias e da construção de repertórios bibliográficos, não se pode deixar de incluir nele os cada vez mais numerosos e comuns recursos Internet, além daqueles em papel e não se pode deixar de pensar em armazená-los numa base de dados em meio eletrônico. Quanto aos serviços de referência e as fontes bibliográficas, deve-se considerar o número crescente de recursos informacionais eletrônicos: bases de dados em CD-ROM ou remotas, recursos Internet. A localização, o acesso ao documento final, a obtenção de cópias ou o empréstimo entre bibliotecas, não se fazem hoje sem o aporte das tecnologias da informação, como CCN, Comut e correio eletrônico. Bons serviços aos usuários são requerem cada vez mais a organização de bibliotecas em redes e sistemas, que dependem da tecnologia da informação para viabilizar a cooperação e o compartilhamento de recursos.

A formação profissional através das disciplinas que correspondem a essas atividades deve também refletir a realidade dessas práticas. Conteúdos de tecnologia da informação deveriam estar presentes nas mais diferentes disciplinas da formação do profissional de informação, onde quer que elas sejam usadas como meio para otimizar e potencializar melhores práticas bibliotecárias. É claro que isso implica também em um trabalho de reciclagem dos professores. O enfoque deve ser alterado da automação de bibliotecas como um momento singular e excepcional da vida das instituições de informação para um enfoque abrangente das tecnologias da informação, centrado nos usuários, nas suas necessidades e no potencial das tecnologias de informação como meio de viabilizar novos e melhores serviços e produtos.

Estes conteúdos específicos e práticos deveriam ser complementados pela mesma disciplina de introdução à informática com conteúdos como redes, sistemas operacionais, aplicativos como editores de texto, planilhas eletrônicas, gerenciadores de bases de dados, e por conteúdos novos como navegação na Internet, uso do correio eletrônico, etc. Além dessa disciplina introdutória, deveriam haver outras, extensões das atuais disciplinas de caracter administrativo e gerencial para bibliotecas, que incluiriam conteúdos como gestão, avaliação, seleção e administração de tecnologias de informação, estado da arte e novas potencialidades das tecnologias da informação, etc.



Conclusões

Não se faz trabalho informacional hoje sem o aporte das tecnologias de informação. Afirmar isso, no entanto, é só enxergar a “ponta do iceberg”. Essa constatação óbvia esconde questões conceituais muito mais profundas. Toda uma prática informacional tem que ser repensada, a partir das transformações advindas do impacto das novas tecnologias da informação. O currículo de biblioteconomia e mesmo a prática bibliotecária entre nós, ainda é hoje uma linha de montagem tendo o livro como centro. Modernas práticas gerenciais como Qualidade Total, Administração por Produtos, etc., precisam ser mais disseminadas no meio bibliotecário para que se opere essa mudança. As práticas e a formação profissional deveriam evoluir no sentido de ter como foco o usuário e os serviços prestados ao mesmo.

As tecnologias da informação são meios poderosos de viabilizar mais e melhores serviços aos usuários. Dentro deste enfoque, questões como promoção, estudos de usuários e planejamento estratégico, novos modelos de gestão, planejamento de serviços e produtos, ganham um destaque que não tinham nas práticas biblioteconômicas de vinte anos atrás, passando a se constituir na sua espinha dorsal. Como isso deve se refletir na formação profissional, que parte desse conteúdo deve constituir na graduação, que parte deve se constituir na pós-graduação é uma questão ainda em aberto.

Bibliografia

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Tags: profissional, informação, tecnologia, artigos

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