quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O AACR2 NÃO DÁ, MAS O RDA DARÁ VITAMINAÇÃO AO CATALOGADOR

O AACR2 NÃO DÁ, MAS O RDA DARÁ VITAMINAÇÃO AO CATALOGADOR
[Janeiro/2008]
Nos últimos anos, a catalogação experimenta uma renovação mais intensa em seus conceitos e práticas, afetadas pelas tecnologias da informação e comunicação. Desse processo emerge uma nova dimensão das suas bases instrumentais à organização e gestão de informação e conhecimento circulante na internet.

O AACR2 (Anglo-American Cataloging Rules, Second Edition / Código de Catalogação Anglo-Americano, Segunda Edição), e demais códigos de catalogação nele baseados, encontra-se em uma fase de revisão diante das novas exigências conceituais e formais de descrição bibliográfica.

O universo da informação registrada mudou radicalmente desde que o AACR2 foi publicado pela primeira vez, em 1978. Antes dos computadores pessoais (microcomputadores), da Internet e Web tornarem-se extensões complementares de nossa vida pessoal e profissional.

Embora, para muitos catalogadores brasileiros a ficha não tenha desaparecido de sua atividade cotidiana, metaforicamente a ‘ficha’ já caiu para muitos outros, preocupados com as tendências mundiais. As mudanças que ocorrem no universo bibliotecário provocam uma troca de paradigma na maneira de se comunicar e distribuir informações bibliográficas. O conteúdo informacional descola-se dos suportes físicos, migra e expande-se irreversivelmente para o ambiente digital.

Anteriormente, o impresso era o meio dominante na comunicação registrada. Os formatos eram mais estáveis de se compreender e categorizar. Afinal, as pessoas eram também analógicas no uso dos recursos existentes. Desta maneira, um vídeo ou um áudio (em cassete) tinham os suportes delineados e os catalogadores podiam descrevê-los sem dificuldades como conteúdos de algo real. Com a evolução tecnológica, surge uma nova variedade de mídias.

Novos formatos de conteúdos, ainda que armazenados em suportes físicos, começaram a tornar difícil definir a representação e categorização. Chris Oliver comenta como exemplo o CD ou DVD, que pode ser considerado um suporte para computador ou vídeo, ou ambos, dependendo da natureza do conteúdo. Mesmo um mapa digital é um arquivo de computador e material cartográfico.

Os próprios usuários, agora aderentes ao novo ambiente digital, desenvolveram expectativas completamente diferentes aos do período analógico. Apesar de buscarem informações que satisfação suas necessidades, esperam que os sistemas bibliográficos façam no mínimo isto, ao responder suas consultas (e se possível com acesso ao texto completo).

Os usuários estão mais sofisticados nas técnicas e nas variedades de abordagem possíveis para recuperação da informação. Segundo Daniel Kraus, os usuários estão crescentemente satisfeitos com a rapidez da pesquisa realizada na Internet. Diante desta “satisfação” tendem a abandonar cada vez mais os catálogos bibliográficos que só oferecem como resultado descrições em lugar do acesso; além de não possibilitar em seus sistemas maior interação, ou personalização baseada nas necessidades do público.

Outro aspecto decorrente, é que há mais participantes no negócio de armazenamento e recuperação da informação. O AACR2 nunca foi um padrão exclusivo para fornecer representação e acesso a recursos bibliográficos.

Ademais, a catalogação abarca apenas um pequeno subconjunto do universo da informação. Neste sentido, vemos surgir especialistas de outras áreas de pesquisas que debatem os mesmos assuntos relacionados às preocupações de catalogadores por gerações. Atualmente, aparecem nesta relação: as linguagens de marcação, os metadados e a Web semântica, por exemplo.

Neste universo em transformação, o AACR2 “parece” não conseguir dar sustentação eficiente aos catalogadores. Infelizmente, seu “design” (para citar um termo da moda) carece de ser extensível o suficiente para acomodar os novos e multivariados tipos de recursos de informação. O seu próprio modelo de revisão e atualização pouco contribui para melhorar o seu desempenho diante das inovações tecnológicas contínuas. O modelo é gerenciado por um comitê internacional o JSC (Joint Steering Committee for Revision AACR / Comitê Conjunto Permanente para a Revisão das Regras Anglo americanas de Catalogação) e do qual fazem parte instituições do “mundo” anglo-saxão: American Library Association; Library of Congress; Australian Committee on Cataloguing; British Library; e Canadian Committee on Cataloguing. A tomada de decisão no interior do comitê é por consenso, qualquer inclusão no padrão requer testes contínuos de avaliação e qualidade, o que gera normal lentidão. Mas apesar das tentativas de diminuir a sua obsolescência, o código contempla muitas regras restritivas e incompatíveis com o novo cenário digital e profusão tecnológica.

Diante desta situação, nasce uma iniciativa promovida pelo próprio JSC (responsável pelo AACR) e apoiada pela IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions / Federação Internacional de Associações de Bibliotecas e Instituições) de desenvolver nova ferramenta que substitua o AACR2, fornecendo aos quase combalidos catalogadores vitaminação para resistir e condições para lidar com a crescente informação digital.

A iniciativa originalmente era conhecida como AACR3. Segundo Kraus, em abril de 2005, o JSC reagiu a comentários sobre a atualização planejada ao AACR, e decidiu que o padrão vigente (criado entorno do modelo de um catálogo de fichas e agora situado em um evoluído ambiente digital), necessitava de uma vigorosa revisão. A revisão ao que parece refletiu no título do novo código com a remoção do termo "Anglo-americano" (com a intenção de tornar o novo código um padrão de aceitação internacional); a remoção também do termo "Catalogação" substituído por "Descrição de Recurso", uma expressão adotada por comunidades produtoras de metadados; e a inclusão do termo "Acesso" com objetivo de criar um esquema flexível para descrever todos os recursos: analógicos e digitais; bem como descrever os dados de maneira a serem aproveitados pelas estruturas de bases de dados emergentes, além de compatíveis com registros existentes em catálogos online. Em suma, é preciso haver registros bibliográficos funcionais e utilizáveis na Web. Destas intenções vai nascendo a “receita” do RDA.


RDA

RDA é sigla para Resource Description and Access (Descrição e Acesso a Recursos), uma proposta de padrão sucessora ao AACR2. Como mencionado acima, seu desenvolvimento caracteriza-se por uma mudança na direção de ser um código internacional (ou de aceitação global), que diferentemente do atual (em uso), não se regule por regras rígidas, mas por diretrizes de ampla aplicação, e com foco centrado no usuário e nas suas necessidades de informação.

O padrão pretende-se de fácil utilização na geração de registros bibliográficos que contenham dados relevantes aos usuários. A intenção visa subsidiar o modelo descritivo FRBR (Functional Requeriment for Bibliographic Record / Requisitos Funcionais para Registro Bibliográfico), que analisa no registro bibliográfico como o dado é usado, visando identificar as entidades no universo bibliográfico de interesse aos usuários, os atributos dessas entidades e seus relacionamentos.

Esse cenário de mudança, fatalmente, irá alterar a perspectiva da catalogação na consulta ao registro isolado para a busca do registro com contexto. O RDA quer colocar-se como a estrutura semântica que poderá ser usado pelo esquema conceitual expressado no modelo FRBR (que tem por intenção ser independente de qualquer código de catalogação).

Os princípios que têm orientado o desenvolvimento do RDA estruturam-se sobre o relatório da declaração internacional dos princípios da catalogação elaborado pela IFLA - IME ICC (IFLA Meeting of Experts on an International Cataloging Code / Reunião IFLA de Especialistas sobre um Código Internacional de Catalogação).

Salienta-se que o RDA será um padrão normativo de conteúdo informacional, não um esquema de metadados. Composto por um conjunto de diretrizes que devem indicar como descrever um recurso direcionado sobre os locais de informação (ou atributos) que um usuário está interessado, auxiliando-o a navegar em bases de dados e catálogos bibliográficos.

Os apêndices integrados ao RDA serão propostas opcionais para apresentar os dados descritivos e os dados relacionados ao ponto de acesso. Este direcionamento ao conteúdo abre a possibilidade do RDA ser relevante para uma ampla variedade de comunidades de metadados, como também para o ambiente da catalogação tradicional.

Neste sentido, um registro RDA poderá ser armazenado e transmitido em formato MARC ou em esquema de metadados como o formato Dublin Core ou MODS (Metadata Object Description Standard). Apesar das comunidades de metadados terem esquemas detalhados, elas não têm necessariamente padrão de conteúdo. Desta forma, espera-se que o RDA venha ser relevante para o “universo” dos metadados, como também para o “mundo” da catalogação tradicional. O catalogador que sobreviver a implantação a partir de 2009 comprovará a predição.

Para os catalogadores, a realidade atual da catalogação parece “bólido de fórmula 1”, tem andado mais depressa que os processos de análise e normalização de seus padrões. Entretanto, até termos uma definição mais estável de todo processo, muita coisa vai acontecer. Para os catalogadores brasileiros seria fundamental resgatar e reforçar a prática da catalogação cooperativa. O lado bom dos acontecimentos, é que a catalogação está em discussão, saindo de trás das estantes, deixando de ser um mero serviço técnico (o que aliás nunca foi, basta ler Antonio Panizzi, e Charles Ammi Cutter, por exemplo) para tornar-se efetivamente um serviço centrado no usuário.



Indicação de leitura:

Chris Oliver. Changing to RDA. Feliciter, n. 5, p. 250 – 53, 2007.

Daniel Kraus. Controversies in cataloging: the debate over AACR2´s successor. American Libraries, v. 38, n. 9, p. 66 - 7, Oct. 2007.

Diane I. Hillmann. RDA for who? Technicalities, vol. 26, n. 3, p. 8 - 10, 2006.

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